Dark Romance: Resposta à Folha de São Paulo

Mesmo o jornalismo de qualidade não está isento de erros. Esse texto é uma resposta à atribuição de fala equivocada a mim em reportagem sobre Dark Romance, da Folha de São Paulo. Aqui retifico os equívocos da reportagem, colaborando com o propósito da Folha de bem informar seus leitores.

Dark romance é um gênero literário com enredos violentos, muitas vezes incluindo violência sexual. Raptos, sequestros, estupros e casamentos forçados podem fazer parte da trama. Porém, curiosamente, não é incomum que mulheres se interessem por ele. Mas o que pode estar acontecendo, já que elas são as maiores vítimas das violências nesses livros?

Ficção está num registro semelhante ao do jogo

Histórias e mitos comumente servem para canalizar tendências da nossa psique, oferendo a elas meios de expressão. De maneira similar a práticas BDSM — jogos eróticos nos quais se pode viver o papel de um dominador ou dominado — esse tipo de romance oferece personagens em situações extremas nos quais podemos projetar e dar expressão à partes da nossa personalidade que não encontram canais de outra forma. Nesse sentido, essas histórias violentas podem ter uma função compensatória na psique.

Mulheres não desejam ser violentadas por desconhecidos

É uma análise superficial e que colabora para a cultura do estupro imaginar que o apreço por esse tipo de romance pode ter relação com a mulher desejar ser violentada brutalmente por um desconhecido como forma de escapar de casamento monótono

A leitora que se excita lendo o livro pode nem gostar de imaginar-se numa cena de estupro. Esse tipo de leitora pode, na verdade, estar encontrando no enredo do livro ressonância para alguns aspectos de quem ela é sexualmente. Já o leitor que se incomoda com a própria excitação diante da trama pode estar experimentando um momento de excitação sexual incoerente, que é quando nos excitamos com algo que consideramos inadequado ou contrário ao nosso gosto.

Mulheres discernem entre fantasia e realidade

A leitora dessas histórias, salvo tenha uma vulnerabilidade psicológica ou transtorno que afete sua capacidade de avaliar a realidade, tem consciência de que uma relação assim não funcionaria na prática. A mulher que se encanta com o personagem masculino desconhecido e sexualmente agressivo pode estar, em realidade, encantada com a sensação de ser intensamente desejada por um homem que se perde no que sente por ela. Encantada por aspectos da sexualidade em que o desejo escapa às normas sociais, não com o personagem em si.

A cena fictícia de violência sexual ou rapto pode, para alguns, ser um veículo para essas sensações. A história permite isso por estar no registro de fantasia, possibilitando uma identificação inconsciente com os personagens.

Folha de São Paulo Mariana Farinas

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